Rua Sorocaba 800, CEP 22271-100, Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Desenho

Adail Prado - guache sobre papel - 48cm x 66cm
Exposição Museu da República
40 anos de Estética na Casa das Palmeiras / 1997

sábado, 23 de fevereiro de 2008

V Que é a Casa das Palmeiras

(continuação do texto de Nise da Silveira - Módulo V - Casa das Palmeiras - Emoção de Lidar - 1986)
Atividades Expressivas - mundo interno
É através dessas atividades que se pode conseguir maior penetração no mundo íntimo do psicótico. Assim, atribuímos especial importância às atividades expressivas individuais – pintura, xilogravura, modelagem, arranjo floral. Essas atividades permitem a expressão de vivências muitas vezes não verbalizáveis, fora do alcance das elaborações da razão e do pensamento. No conceito de Frieda Fromm Reichmann, a oportunidade que o indivíduo teve, quando doente, de descobrir as atividades expressivas e criadoras, de ordinários tão pouco acessíveis à maioria, poderá abrir-lhes novas perspectivas de aceitação social através da expressão artística ou simplesmente (o que será muito), muni-lo de um meio ao qual poderá recorrer sozinho para manter seu equilíbrio psíquico. (Remarks on the philosophy of mental disorder).
Estas afirmações não significam que deixem de ser praticadas na Casa das Palmeiras atividades de caráter mais pragmático, tais como tecelagem, marcenaria, etc., ou atividades de grupo, do tipo de jogos recreativos, festas, passeios, conjuntos musicais, grupo cultural, respeitada sempre, em todas estas atividades, as condições de cada cliente para maior ou menor relacionamento interpessoal.
A equipe da Casa das Palmeiras está sempre atenta para ler sem impertinência, ou melhor, apreender, o que transparece na face, mãos, gestos do cliente. Essa observação, seja nas atividades individuais ou de grupo, nos parece indispensável para que o cliente seja conhecido em maior profundeza e torne-se possível uma abordagem terapêutica mais segura. A emoção de lidar favorece mil oportunidades para essas observações.
(continuação do texto de Nise na próxima edição - o negrito é nosso)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

IV Que é a Casa das Palmeiras

(continuação texto de Nise da Silveira - Módulo IV - Casa das Palmeiras - Emoção de Lidar -1986)
Linha de pensamento - Emoção de Lidar

Certamente a terapêutica ocupacional não é aceita até hoje como um legítimo método terapêutico. Pois qual seria seu lugar no meio do arsenal constituído pelos choques elétricos que determinam convulsões; pela psicocirurgia; e agora, principalmente, pelos psicotrópicos administrados em doses brutais até coagirem o indivíduo numa camisa de força química? Um método que utiliza, como agentes terapêuticos, pintura, modelagem, música, trabalhos artesanais, logicamente seria, na época vigente, julgado ingênuo e quase inócuo. Valeria, quando muito, para distrair os clientes ou, em certas instituições psiquiátricas, torná-los produtivo em relação a sua economia.
Há várias linhas de pensamento que, apesar do descaso reinante, insistem em procurar fundamentação teórica para interpretar o método ocupacional. E várias denominações para designá-los – laborterapia, praxiterapia, método hiperativo, método reeducativo, ergoterapia e, finalmente, terapêutica ocupacional, termo preferido por ingleses e americanos. A expressão terapêutica ocupacional generalizou-se, embora seja pesada como um paralelepípedo. Preferimos dizer emoção de lidar, palavras usadas por um dos clientes da Casa das Palmeiras, pois sugere logo a emoção provocada pela manipulação dos materiais de trabalho, uma das condições essenciais para a eficácia do tratamento.
As teorias e seus nomes importam pouco. Todas podem ser úteis quando convém a cada caso em apreço.
Desde que o cliente esteja em condições psicológicas capazes para realizar o esforço necessário a produção de um trabalho utilitário, será perfeitamente aceitável o que diz Freud. “Nenhuma outra técnica vital liga o indivíduo tão fortemente à realidade como a realização do trabalho que, pelo menos, incorpora-o solidamente a uma parte da realidade, à comunidade humana. A possibilidade de deslocar para o trabalho profissional e para as relações humanas a estes vinculadas, grande parte das componentes narcisistas, agressivas e mesmo eróticas da libido, confere àquelas atividades um valor que não pode ser relegado a segundo plano.” (El malestar em la cultura).
Entretanto, se o ego está muito atingido, a utilização do trabalho com fins terapêuticos torna-se inaplicável. As atividades que envolvem as características do trabalho, só convêm a indivíduos capazes de manter corajosas e persistentes relações com o mundo externo. Teremos de ir ao encontro do doente nos pontos instáveis onde ele se acha ainda, a fim de ajudá-lo a fortalecer o ego de modo gradativo. Embora, no dizer de Frieda Fromm Reichmann, nem sempre o objetivo do tratamento, “será necessariamente aprender a levar uma vida convencional dentro dos padrões de ajustamento usados pela média dos chamados cidadãos sadios na nossa cultura”. (Remarks on the philosophy of mental disorder).
Muitos indivíduos estão apenas aptos para atividades nas quais cada ato tenha valor próprio e proporcione prazer imediato. Por esse motivo damos tanta ênfase às atividades expressivas e lúdicas.
Certamente todas as atividades são expressivas desde que se saiba observar como são executadas (seja a maneira de empunhar um serrote ou até o bater de um martelo). Mas se denominam especialmente atividades expressivas àquelas que melhor permitem a espontânea expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e cores, etc.
(continuação do texto de Nise na próxima edição)

Desenho

Darcílio Lima - guache sobre papel - 33cm x 47cm



Exposição

Museu da República / 1997

II Colóquio Latino-Americano de Estética

40 anos de estética na Casa das Palmeiras


(desenho salvo do incêndio de 3/09/2006)


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Nise da Silveira, 15/02 /1905 - 30/10/1999


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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

III Que é a Casa das Palmeiras

(continuação texto de Nise da Silveira -Módulo III - Casa das Palmeiras - Emoção de Lidar -1986)
Ambiente, experiência e funcionamento

Convivendo com o cliente durante várias horas por dia, vendo-o exprimir-se verbal ou não verbalmente em ocasiões diferentes, seja no exercício de atividades individuais ou de grupo, a equipe logo chegará a um conhecimento bastante profundo de seu cliente. E a aproximação que nasce entre eles, tão importante no tratamento, é muito mais genuína que a habitual relação de consultório entre médico e cliente. A experiência demonstra que à volta a realidade depende em primeiro lugar de relacionamento confiante com alguém, relacionamento que se estenderá aos poucos a contatos com outras pessoas e com o ambiente. O ambiente que reina na Casa é por si próprio, assim pensamos, um importante agente terapêutico.
A Casa das Palmeiras é um pequeno território livre, onde não há pressões geradoras de angústia, nem exigências superiores às possibilidades de resposta de seus freqüentadores.
Nunca procurou a coleira de convênios. Optou pela pobreza e a liberdade.
As relações interpessoais formam-se de maneira espontânea entre uns e outros. Distinguir médicos, psicólogos, monitores, estagiários, clientes, torna-se tarefa ingrata. A autoridade da equipe técnica estabelece-se de maneira natural, pela atitude serena de compreensão, face a problemática do cliente, pela evidência do desejo de ajudá-lo por um profundo respeito à pessoa de cada indivíduo.
Portas e janelas estão sempre abertas na Casa das Palmeiras. Os médicos não usam jaleco branco, não há enfermeiras e os demais membros da equipe técnica não portam uniformes ou crachás. Todos participam ao lado dos clientes, das atividades ocupacionais, apenas orientando-os quando necessário. E também todos fazem em conjunto o lanche, que é servido no meio da tarde, sem descriminação de lugares especiais.
É utilizado, quando necessário, e isso é raro, o uso de psicotrópicos em doses reduzidas e individualizadas.
Essas normas inusuais existem desde a fundação da Casa, em 1956. Não contribuíram para fomentar desordem. Pelo contrário, seus efeitos criaram um favorável ambiente terapêutico para pessoas que já sofreram humilhantes discriminações em instituições psiquiátricas a até mesmo no âmbito de suas famílias; isso sem citar, por demais óbvias, as dificuldades que se erguem no meio social para recebê-los de volta.
A Casa das Palmeiras, comporta a freqüência de 30 a 35 clientes funcionando em regime de externato nos dias úteis, das 13 às 17h30. Assim o cliente não se desliga de sua família e do meio social com seus inevitáveis problemas que aprende aos poucos a superar, graças aos enriquecimentos adquiridos através das atividades praticadas na Casa e dos laços de convivência amiga que aí se formam.
(continuação texto do Nise na próxima edição)

sábado, 2 de fevereiro de 2008

II Que é a Casa das Palmeiras

(continuação texto de Nise da Silveira - módulo II - Casa das Palmeiras - Emoção de Lidar - 1986)
Método terapêutico
"O principal método de tratamento empregado na Casa das Palmeiras é a terapêutica ocupacional, mas terapêutica ocupacional num largo sentido, não os mesmos procedimentos praticados correntemente sob esta denominação. Desde minha experiência iniciada em Engenho de Dentro com o método ocupacional, no ano de 1946, a primeira preocupação foi de natureza teórica, isto é, a busca de fundamentação cientifica onde firmar a estrutura do trabalho que estava sendo iniciado. Estudamos com a terapêutica ocupacional poderia ser entendida dos diferentes pontos de vista psiquiátricos (segundo Kraepelin, Bleuler, H. Simon, C. Schneider, neojacksonianos, P. Silvadon, psicanálise, psicologia analítica, etc.).
O objetivo era utilizar a terapêutica ocupacional, se corretamente conduzida, como legítimo método terapêutico e não apenas uma pratica auxiliar e subalterna, segundo acontece habitualmente.
Agora, na Casa das Palmeiras, este método ampliava-se e adquiria novas conotações adequadas a esta instituição destinada ao tratamento e à reabilitação de egressos de estabelecimentos psiquiátricos. Representava a Casa um degrau intermediário entre a rotina do sistema hospitalar, desindividualizada, e a vida na sociedade e na família, com seus inevitáveis e múltiplos problemas, onde a aceitação de egresso não se faz sem dificuldades.
Rótulos diagnósticos são, para nós, de significação menor, e não costumamos fazer esforços para estabelecê-los de acordo com classificações clássicas. Não pensamos em termos de doenças, mas em função de indivíduos que tropeçam no caminho de volta a realidade cotidiana.
Nesse sentido visamos coordenar intimamente olho e mão, sentimento e pensamento, corpo e psique, primeiro passo para a realização do todo especifico que deverá vir a ser a personalidade de cada indivíduo sadio. Na busca de conseguir esta coordenação, fazemos apelo às atividades que envolvam a função criadora existente mais ou menos adormecida, dentro de todo indivíduo.
A criatividade é o catalisador por excelência das aproximações de opostos. Por seu intermédio, sensações, emoções, pensamentos, são levados a reconhecerem-se entre si, a associarem-se, e mesmo tumultos internos adquirem forma.
Jamais temos a pretensão, está claro, que nossos clientes realizem obras de alta qualidade artística (o que às vezes acontece!). Terapeuticamente, o mais importante é que o mundo interno dissociado tome forma e encontre meios de expressão através de símbolos transformadores que o aproximem cada vez mais do nível consciente.
A tarefa principal da equipe técnica da Casa das Palmeiras será permanecer atenta ao desdobramento fugidio dos processos psíquicos que acontecem no mundo interno do cliente através de inúmeras modalidades de expressão. E não menos atento às pontes que ele lança em direção ao mundo externo, a fim de dar a estas pontes apoio no momento oportuno."
(continuação do texto de Nise na próxima edição)

Desenho

Jair Góis - guache e lápis cêra - 33cm x 49cm

Exposição
Museu da República / 1997
II Colóquio Latino - Americano de Estética
40 anos de estética na Casa das Palmeiras