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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

IV Que é a Casa das Palmeiras

(continuação texto de Nise da Silveira - Módulo IV - Casa das Palmeiras - Emoção de Lidar -1986)
Linha de pensamento - Emoção de Lidar

Certamente a terapêutica ocupacional não é aceita até hoje como um legítimo método terapêutico. Pois qual seria seu lugar no meio do arsenal constituído pelos choques elétricos que determinam convulsões; pela psicocirurgia; e agora, principalmente, pelos psicotrópicos administrados em doses brutais até coagirem o indivíduo numa camisa de força química? Um método que utiliza, como agentes terapêuticos, pintura, modelagem, música, trabalhos artesanais, logicamente seria, na época vigente, julgado ingênuo e quase inócuo. Valeria, quando muito, para distrair os clientes ou, em certas instituições psiquiátricas, torná-los produtivo em relação a sua economia.
Há várias linhas de pensamento que, apesar do descaso reinante, insistem em procurar fundamentação teórica para interpretar o método ocupacional. E várias denominações para designá-los – laborterapia, praxiterapia, método hiperativo, método reeducativo, ergoterapia e, finalmente, terapêutica ocupacional, termo preferido por ingleses e americanos. A expressão terapêutica ocupacional generalizou-se, embora seja pesada como um paralelepípedo. Preferimos dizer emoção de lidar, palavras usadas por um dos clientes da Casa das Palmeiras, pois sugere logo a emoção provocada pela manipulação dos materiais de trabalho, uma das condições essenciais para a eficácia do tratamento.
As teorias e seus nomes importam pouco. Todas podem ser úteis quando convém a cada caso em apreço.
Desde que o cliente esteja em condições psicológicas capazes para realizar o esforço necessário a produção de um trabalho utilitário, será perfeitamente aceitável o que diz Freud. “Nenhuma outra técnica vital liga o indivíduo tão fortemente à realidade como a realização do trabalho que, pelo menos, incorpora-o solidamente a uma parte da realidade, à comunidade humana. A possibilidade de deslocar para o trabalho profissional e para as relações humanas a estes vinculadas, grande parte das componentes narcisistas, agressivas e mesmo eróticas da libido, confere àquelas atividades um valor que não pode ser relegado a segundo plano.” (El malestar em la cultura).
Entretanto, se o ego está muito atingido, a utilização do trabalho com fins terapêuticos torna-se inaplicável. As atividades que envolvem as características do trabalho, só convêm a indivíduos capazes de manter corajosas e persistentes relações com o mundo externo. Teremos de ir ao encontro do doente nos pontos instáveis onde ele se acha ainda, a fim de ajudá-lo a fortalecer o ego de modo gradativo. Embora, no dizer de Frieda Fromm Reichmann, nem sempre o objetivo do tratamento, “será necessariamente aprender a levar uma vida convencional dentro dos padrões de ajustamento usados pela média dos chamados cidadãos sadios na nossa cultura”. (Remarks on the philosophy of mental disorder).
Muitos indivíduos estão apenas aptos para atividades nas quais cada ato tenha valor próprio e proporcione prazer imediato. Por esse motivo damos tanta ênfase às atividades expressivas e lúdicas.
Certamente todas as atividades são expressivas desde que se saiba observar como são executadas (seja a maneira de empunhar um serrote ou até o bater de um martelo). Mas se denominam especialmente atividades expressivas àquelas que melhor permitem a espontânea expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e cores, etc.
(continuação do texto de Nise na próxima edição)

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